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Não via Mariana há tempos. Claro que não desde a escola – afinal, nossa turma se manteve inexplicavelmente unida depois da formatura por inacreditáveis 5 anos, mesmo sendo isso tão improvável (e talvez entediante) para a maioria das pessoas. Não mantive nenhum amigo da época da faculdade. Dos tantos da escola, porém, Mariana é uma deles.
E saímos para jantar. Ela estava linda cabelos  ruivos e um vestido branco Escolhemos um lugar com vinho bom, o que chega a ser um evento. O fato de desviar da rota dos botecos encervejados onde batemos ponto assiduamente com a batota dos anos 90, dá a sensação de ter cruzado o oceano. Até parece que a gente bebia em dia de semana nos anos 90! Era lanchinho no recreio e uma cachacinha escondida, no máximo. Fato é que no contexto, ainda somos minoria: temos um trabalho fixo, sustentamos uma ape, um jantarzinho com vinho e um ou outro animal de estimação. E foi justamente depois de ser apresentada `a mais nova aquisição afetiva de marina , uma gatinha vira-latinha babona e carinhosa, é que rumamos ao nosso chiquérrimo jantar sem cevada.
Escolhemos uma mesa de não fumantes e sentamos `a luz de velas. Nos olhamos em silêncio aprovando a decoração, a temperatura da varanda e o gosto do patê. Concordamos em quase tudo, sem dizer uma só palavra. Ela sabe que eu sei, e isso basta para mim e para ela. Sabemos ambos, não só as dores e as delícias de se ver ficando adulto, mas o preço de um pacto sólido e invisível de 15 anos de amizade. Um preço impossível de ser medido, a não ser que inventassem a moeda do valor puro: aquela que traduz a compreensão mútua de quem se relaciona sem interesse, cobrança ou intenções. Que mede a satisfação de simplesmente assistir ao florescimento do outro, vibrar com uma alma que se alonga e uma consciência que se enraizá e ganha volume. Seria uma medida tão densa e meditativa que não haveria papel ou moeda capaz de suportá-la. Só mesmo um olhar honesto, silencioso e discreto, escondido na velocidade de um gole de vinho.
Tin-tin!
- `A você.
- Não, `a você!
- Tá bom, `a nós dois!
Pedi meu prato. Era algo como: Camembert quente em meio a folhas frescas derretido no mel marinado em queijo de ovelhas albinas do canada. Absolutamente incompreensível, mas o fato é que eu nunca demorei mais do que uma mulher para fazer o pedido e eu acho que é por isso que o vinho acaba rápido.
Ela parece ter se decidido:
- Vou comer um filhotinho.
- Ai, que coitado.
- Eu sei. Também pensei nisso. Não queria pedir porque se chama Filhote. Mas é Filhote com espargos verdes e puré de batata doce ao azeite de trufas.
- É filhote do que, hein?
- Não sei, mas deve ser bom.
- Eu tenho dó. Ou, e se for de rato?
Depois de esclarecido que Filhote é apenas o nome de um peixe (muito famoso, segundo o garçon), ficamos mais tranquilos e o papo seguiu.
É obvio que todos ao redor imaginam que somos um casal. Não: ela tem um namorado eu sei. Pode ser que seja. o cachorrinho vai ter que fazer muito xixi para conquistar território no apartamento de dois quartos que ela alugou na humaita. Aquilo tem cheiro de homem, mesmo com três garotas morando dentro. Imagina: se cada um das vadias (tirando ela)tiver cinco namorados (chutando baixo) significa que quinze meninos circulam por ali. Quinze meninos para três garotas e uma gatinha. No livro que estou lendo, todos as mulheres têm quatro ou cinco caras que elas amam. Era assim, no começo da civilização. Será que esses meninas estão seguindo a natureza masculina ou será que vão mudar de ideia quando alguma deles parecer mais especial que as outros?
Não importa. Não sou psicólogo, antropólogo, e muito menos um dos cinco. O que me importa é trocar mais ideia com esse querida amiga que me ensina, cada vez mais a compreender que existem coisas muito maiores do que… Do que o que mesmo? Ih, esse papo já está ficando chato. Ela me ensinou a economizar água. Ela é Repórter daqueles que passaram na BBC, ou quase isso. Fico orgulhoso quando vejo um vídeo dela no YouTube, no qual ela explica, com termos técnicos e tudo, como as grandes empresas podem aproveitar melhor a água. Além de fazer um trabalho mega bacana e do futuro, ela parece até uma Apresentadora falando. Beijo suas lisas bochechas que eu aguardo ansiosamente o momento em que, dignas pra min . Com a voz bem leve, faço questão de chamar em alto em bom som minha amiguinha pelo seu apelido de infância:
- mari!!! mari! mari!!!!
Dá nisso. Ninguém se leva a sério, graças a Deus.A reporter inteligente é apenas mari para mim. E na contra-mão, para ela, eu devo ser algo bem parecido com isso também. A gente tira sarro da barriga um do outro e não pede sobremesa. Dividimos a conta, levantamos e damos um abraço apertado.
- Da próxima vez eu já vou ser rico e pago a conta. – digo eu .
- Espero que sim. E bem rico mesmo. Para pagar a conta da sua amiga querida e a das suas novecentas e quinze namoradas. – ela tirar saro.
Pego o meu carro e ela o dela. mari já sabe dirigir. Cada um sai para um lado, com uma certeza. A de que vinho e amizade têm o tempo como denominador comum.


Rodrigo Fernandes